Num exame de teologia, um aluno escreveu que “para Lutero o ser humano está sempre na fossa”. O professor deve ter sublinhado ou riscado a vermelho, mas o aluno expressou bem em linguagem popular o pessimismo antropológico de Lutero (Agostinho de Hipona pensava o mesmo).

Acontece que o encontro entre Jesus e a samaritana (Jo 4; nem nome tem, como muitas outras mulheres da Bíblia, o que só denota androcentrismo da cultura antiga – evangelhos incluídos) dá-se ao pé de um poço, o de Jacob. O poço é o oposto à fossa no que a águas diz respeito. A fossa é um mau sítio para se estar dentro. O poço é um bom sítio para se estar fora. Água fresca, encontros, conversa, revigorar de forças para trabalhar ou continuar a caminhada.

Para a samaritana, o poço é lugar de descoberta do homem, judeu, profeta, messias - Jesus. É esse o caminho que podemos fazer na busca de água fresca. Tira qualquer um, seguramente, da fossa.
Palavra de Deus


"Deixa a tua terra, a tua família e a casa do teu pai, e vai para a terra que eu te indicar."
"Levantai-vos e não tenhais medo"

Estas duas frases são bastante radicais, mas por outro lado nos encorajam a não desfalecer nos insucessos e desilusões que fazem parte da experiência da vida! Não há que temer quando sabemos que alguém nos acompanha, que dá tudo para estar sempre presente, para nos ver sorrir! A felicidade do outro é uma preocupação constante de quem ama verdadeiramente. E Deus vive essa preocupação connosco! Portanto, Coragem, Levantai-vos Vamos!
Palavra de Deus

"… o Espírito conduziu Jesus ao deserto,
a fim de ser tentado…"
Jesus é tentado.
A Humanidade é tentada.

Jesus permanece firme no seu caminho.
A Humanidade deixa-se seduzir e desviar…

Jesus segue o que quer,
A Humanidade vacila insegura…

Jesus sustenta-se na Palavra.
A Humanidade busca a felicidade na riqueza e no poder.

Jesus é o Homem Livre.
A Humanidade tem n'Ele um modelo de felicidade!

O relato das tentações, no caso segundo Mateus (Mt 4,1-11), é das passagens mais curiosas dos evangelhos (poderei escrever exactamente o mesmo de todas as outras, porque todo o evangelho é surpreendente).

Vejamos:
* Mateus conta como se lá tivesse estado. Ora esta é das poucas passagens em que não há testemunhas, só protagonistas. Como é que Mateus soube? Teria Jesus contado? Ou será um relato que condensa tudo o que o evangelho significa, já que está precisamente no início dos trabalhos de Jesus? 
* Jesus vai para o deserto conduzido pelo Espírito Santo, o que quer dizer que nem sempre o Espírito Santo leva por bons caminhos. 
* O deserto tanto é o lugar da comunidade e da solidariedade (foi no deserto que nasceu o Povo de Israel) como lugar de tentação, o que desmonta os que diabolizam a cidade. Todos os lugares podem ser bons ou maus. Os lugares não têm moral. 
* As tentações acontecem após 40 dias e quarenta noites de jejum, uma quaresma. O 40 aparece imensas vezes na Bíblia (40 dias de chuva, de pregação, de jejum, de mediação, de ultimato) para significar mudança, preparação, introdução, nova vida. 
* O Diabo tenta, cumprindo o que diz o que seu próprio nome, já que "diábolos", em grego, quer dizer “o que separa” (opõe-se a símbolo, “o que junta”). Há tentações. Não há possessões diabólicas. 
* O Diabo tenta usando frases da Bíblia, o que quer dizer, como há muito foi observado, que o Diabo conhece a Bíblia, ou seja, conhecer a Bíblia, mesmo de cor, não é garantia de nada. O Diabo é um bom exegeta. 
* As tentações acontecem “no deserto” (quem diria que lá não há nada), no “templo” (cuidado com a religião) e num “monte muito alto” (mania das grandezas) e são, respectivamente, sobre pão, espectáculo, poder. Ou então, consumo, magia, fama. Ou então, satisfação, êxito, audiências. Ou então… (é uma questão de reler Mt 1,11-11 e encontrar novos sentidos). 
* Jesus responde com frases bíblicas, todas elas ditas ou remetidas para Deus. Usa o ás de trunfo, ou o Joker (por vezes parecem diabinhos), e sai-se bem. A humildade derrota a magia. 
* As tentações são de Jesus, no início da chamada “vida pública”, mas nelas revêem-se os cristãos, a Igreja, o mundo em geral. Por isso é que Mateus as conta, mesmo não tendo estado lá.

“Senhor, Senhor! Não foi em teu nome que profetizámos, em teu nome que expulsámos os demónios em teu nome que fizemos muitos milagres?” (de Mt 7,21-17)

A resposta é: “Não vos conheci”. Escusava de ser tão ingrato. Mas é que pode tudo ter sido feito no nome do Senhor sem ter sido feito na “vontade” do “Pai que está no Céu”. É um sério aviso para todos os que têm títulos, fazem parte de denominações e confissões, andam com o credo na boca ou coleccionam sacramentos.
Noutro ponto, Jesus diz que pelos frutos se vê a árvore, o que quer dizer que, para mais em tempo de engenharia genética, de OGM, e de viveiros especializados em criar árvores pequenas que dêem grandes frutos, o que interessa mesmo é o fruto. Ninguém pergunta à repositora da frutaria pelo tamanho da macieira quando compra um quilo de maçãs.
Com o bem, é a mesma coisa. Interessa mais o bem bem feito (não há nenhuma palavra a mais) do que o título de quem o faz. Por isso é que há mais cristãos do que os que foram baptizados. Por isso é que há muitas moradas no reino dos céus.
E como não ser apanhado em falso quando se diz “Senhor, Senhor”, já que religião é dependência e todos desejamos genuinamente ser dependentes do Senhor realmente Senhor?
Aqui, a reposta já não está nos frutos, que se vêem, mas nas raízes, que não se vêem. Nos alicerces da casa. A casa que não cai é a que está fundada sobre a rocha. Isso é que é construir com qualidade e garantia contra os lobos maus. Essa é a guerra preventiva no interior de nós próprios que temos de levar a cabo.

A crise que nós, cristãos, estamos a viver tem raízes sociológicas e culturais muito concretas, mas obriga-nos a rever os alicerces e a observar sobre que bases estamos a construir a nossa vida cristã.Talvez não tenhamos enraizado o nosso cristianismo sobre o alicerce sólido do evangelho, mas sobre costumes, modas e tradições, nem sempre muito de acordo com a verdade do evangelho.Quisemos apoiar a nossa religião na segurança das nossas fórmulas e no rigor da disciplina, mas talvez não nos tenhamos preocupado demasiado em procurar a verdade do evangelho.Vivemos muitas vezes demasiado atentos aos códigos, rubricas, normas e prescrições, e não aprendemos a confrontar a nossa própria responsabilidade e os riscos da liberdade cristã.
José Antonio Pagola, pág. 77 de “O caminho aberto por Jesus”